Fazer refletir no texto o contexto sem, entretanto, usar o pretexto de textualizar sem contextualizar - Laércio Castro

sábado, 13 de novembro de 2010

EM BUSCA DE RESPOSTAS OU O DIÁLOGO DAS PERGUNTAS

De repente, lá o cara. Boa aparência e bem vestido. Mas, cabisbaixo e sentado em uma calçada qualquer, de uma avenida qualquer. Apesar do movimento dos carros e de transeuntes, para ele, parece ser a rua mais deserta da cidade. Tão deserta como sente a sua alma.
Um mendigo se aproxima. Ele não nota. Encosta o carrinho cheio de latas velhas e papelão, e senta-se ao lado dele. Tira o paletó sujo e rasgado de sobre si e o coloca sobre as costas do cara e pergunta:
- Tudo bem, amigo?
Apesar da distração, sem se assustar, o cara ergue a cabeça lentamente. Ela parece pesar toneladas. Olha nos olhos do mendigo por alguns segundos e responde:
- Vamos trocar de vida?
O mendigo sorri, desdentadamente, e indaga:
- Que vantagem eu levo nisso?
Com um sorriso desdenhoso, o cara lhe diz:
- Porque será que as pessoas estão sempre querendo levar vantagem em tudo?
Sem pressa em responder, o mendigo pega um pedaço de pão seco de dentro de uma de suas muitas caixas de papelão e reponde:
- Ora, moço, qual a vantagem em não se levar vantagem nas coisas da vida?
Olhando para baixo, sem coragem de erguer a cabeça, o cara retorna:
- Se eu soubesse da resposta, você acha que eu estaria na situação que estou agora?
Sem desgrudar do pão, o mendigo fica curioso:
- Que situação é essa, que parece lhe tirar o ânimo?
Pondo-se em pé e ficando de frente ao mendigo que permaneceu sentado o cara pergunta:
- Que impressão eu lhe causo?
Sem entender bem, o mendigo pede explicações:
- Que impressão? Como assim, que impressão?
O cara reformula a pergunta:
- Quando você olha pra mim quais as coisas que lhe veem à mente?
O mendigo para de comer o pão, colocando de volta na caixa o pedaço que sobrou. Levanta-se, encosta no carrinho de lixo e diz:
- Ah, olhar pra você? Como não me perguntar? Essa cara só compra em dólar? Troca de carro todo ano? Onde será a mansão que ele mora? Como será o nome da princesa de sua esposa? Os filhos se formaram em que universidade estrangeira? Sacou? Não é essa a impressão que você causa nas pessoas?
O cara põe as mãos no rosto e começa a chorar. O mendigo fica sem saber o que fazer....
- Eu lhe ofendi? Disse alguma coisa que o chateasse? Vamos sentar aqui de novo, vamos?
Sentam-se. O mendigo estica a mão e pega uma garrafa Peti com água. Destampa. E diz:
- Você não acha melhor beber um pouco d’água?
O cara aceita e bebe. Joga um pouco de água nas mãos e lava o rosto. Recompõe-se e pergunta:
- Porque você está fazendo isso comigo?
O mendigo responde:
- Isso o que?
O cara complementa:
- Porque você está me ajudando?
O mendigo coloca a garrafa de volta no carrinho e se volta para ele de novo:
- Você também não me ajudaria se me visse sentado aqui desolado da vida?
O cara esboça um sorriso e diz:
- O que te leva a crer que eu pararia para falar com um mendigo, sentado numa calçada em pleno centro da cidade?
O mendigo levanta. Bate o pó das calças e diz:
- Você pode me dar de volta meu paletó?
O cara olha para o paletó, como se não tivera percebido estar com ele. Tira e entrega. O mendigo o joga nas costas e diz:
- Sabe por que você não pararia?
O cara ensaia uma resposta. O mendigo estende a mão num sinal de “Pare”... Pega nas alças do carrinho e diz:
- Moço, não acha melhor responder pra si mesmo?
E vai seguindo pela rua afora, até dobrar uma esquina e sumir de vista.

TEXTO: LAÉRCIO CASTRO